sexta-feira, 17 de abril de 2015

Versos emprestados

Tanto penso, junto e monto.
Tanto fumo, grito e canto,
que não me escuto mais.
A minha voz anasalada não me deixa em paz.

Teus sinais sutis e inexistentes
em breve deixarão de ser sementes.
Duas narrativas, que são as mesmas, porém dignas de bis
Numa história sem clímax em que eu sou ator e atriz

Saudosista, vou me vestir de preto e branco.
Elitista, porém de chinelo ou tamanco.
Com sorte a plateia vai gostar.
De boné ou maquiagem, sempre de nariz pro ar.

Por isso tropecei sem saber a sorte.
Não contei teus pontos a tempo.
Mas, se a linha for um pouquinho mais forte,
a pipa não vai embora com esse vento.


_Nem rimou esse finalzinho
_Xiiiiiiu! Ninguém reparou

sábado, 3 de janeiro de 2015

A que ponto (com) chegamos

A tecnologia é imparável. Nem mesmo a cidade de Ervália com menos de vinte mil habitantes conseguiu evitá-la, na verdade, essa cidadezinha está a frente de muitas outras. A prefeitura colocou um sinal de internet aberto para que todos que estiverem na praça Arthur Bernardes possam ter acesso a tudo que eles precisam. Sim, tudo, afinal, ficar sem celular hoje é uma das coisas mais desesperadoras que pode acontecer com alguns.

A praça sempre foi movimentada, antes pelos jogadores de truco que ficavam horas sentados nas mesinhas redondas com sombrinha e saíam a noite para dar lugar aos cabeludos armados de violões e bebidas baratas, hoje pelos usuários de internet armados de smartphones que se espalham por toda a praça e não se importam com o sol. Os que se importam, se apertam na pouca sombra disponibilizada pelas árvores podadas recentemente.

É comum ver grupos de amigos reunidos para usar a internet, mas ao entrar no mundo virtual se tornam um grupo de estranhos. Grupos de diferentes idades convivendo com o silêncio de vozes e excesso de sons polifônicos de mensagens que chegam sem parar. É como receber um convite para não conversar. Ou seja, subgrupos de pessoas que não se conhecem formam um grupo de estranhos que estão linkados de alguma maneira.

Nem os pombos têm mais vez na praça; celular não deixa migalhas. As piadas são contadas por pessoas desconhecidas por meio de áudios que se espalham tão rápido quanto as fotos constrangedoras. Os pombos humanos se alimentam da falta de contato humano, e eles estão ficando obesos com isso. Afinal, como uma cidade tão pequena quanto Ervália pode ter se tornado tão grande a ponto de ninguém mais ter ânimo de sair para se encontrar?

Citando Ziad K. Abdelnour, nós vivemos na era dos celulares inteligentes e pessoas estúpidas.

domingo, 19 de maio de 2013

Cotidiano



Ele veio tão diferente...

Perdeu o modo engraçado de andar,
Deixou a gagueira na outra esquina.
Soprou seus defeitos no ar
E decidiu voltar à sua sina.

Já era hora!

Ele veio tão igual...

Cometendo os mesmos erros do passado.
Se sujeitando a sofrer as mesmas dores.
E como já fez em outro lado,
Transformou o chão em um tapete de flores

Ninguém vai notar a pequena obra do desconhecido autor.
Vão julgar que chegou o Outono.
Afinal, as flores têm de cair uma hora
E o rapaz, como poucas vezes faz, olha pros céus e ora.

Ele veio tão ele...

Com os atos de um menino
Que sabe medir as consequências,
Que sabe jogar com paciência
Um jogo contra o destino

E vaga pela madrugada
Despedaçando um ramal de flores
E vaga é a madrugada.
Que sempre vem sussurrar sobre antigos amores

Encara a velha conhecida esperança,
Deixa no ar pela última vez seus defeitos.
Entra de vez na mesma dança
E ignora um pouco os anos mal feitos

Ele foi tão outra pessoa...

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Com a palavra, o rei

"Cês sabem que as canções nascem pelos mais diversos motivos ou circunstânceas, mas existem músicas que fazemos para outros compositores. Eu tava diante de uma entrevista de Jorge Ben Jor na qual ele dizia, ou alguém dizia, ou alguém dizia sobre ele, não me lembro bem, que ele jamais fez uma música triste. Puta! Achei aquilo lindo, cara. O cara nunca fez uma música triste; não é lindo isso? E aquilo me deu um sentimento de inveja boa, eu falei "que danado, rapaz". Eu procurei a música na qual eu tivesse mais alegria, aquela música na qual não vazasse a mínima nostalgia, a mínima melancolia, e aí achei. [...]"


Sem mandamentos.


Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos
De rostos serenos, de palavras soltas
Eu quero a rua toda parecendo louca
Com gente gritando e se abraçando ao sol
Hoje eu quero ver a bola da criança livre
Quero ver os sonhos todos nas janelas
Quero ver vocês andando por aí
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou
Eu quero ver meu coração no seu sorriso
E no olho da tarde a primeira luz
Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
Eu quero um carnaval no engarrafamento
E que dez mil estrelas vão riscando o céu
Buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
Rasgar a noite escura como um lampião
Eu vou fazer seresta na sua calçada
Eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
Pra escrever a música sem pretensão
Eu quero que as buzinas toquem flauta-doce
E que triunfe a força da imaginação


Oswaldo Montenegro

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Canto pirata


O rosto na varanda não apareceu
Janela por janela eu vi o prédio se apagar
Com a frieza de quem já morreu
Engoli as lágrimas salgadas do meu mar

Até nunca mais, terra prometida!
Eu sinto que não te verei mais
Até mais ver, vida mal vivida!
Afogo no seco dos meus sais

E tomo frente da minha frota de uma embarcação
Um navio onde o capitão é também o marujo
Um mar sombrio onde o sim sempre é não

Um céu amendrotador e sujo
Onde nasceu um poeta que esqueceu como amar
E fala muito da última sílaba do verbo que não sabe mais usar

_Rima pobre à vista!

domingo, 28 de abril de 2013

Início do fim


Se meu canto não suporta
A dor do não saber o que dói
E a cor não comporta
O tom do ácido que me corrói

Oh! Pelos céus!
Que me venha um lampejo de certeza
Oh! Pelos véus!
Que não me cubram com a toalha da mesa

Que me tragam o vinho
Suave como as manhãs frias
E que me deixem sozinho
A lamentar pelos últimos dias

Não trarei a ti, ó amada
O resmungo dos meus pesares
Não quero ver-te amargurada
Com a doçura dos meus males

Não trarei a ti
Mais nada que te incomode
Nem meus versos de jade
Nem minhas estrofes de rubi

Valorizarei a arte como pedras da fonte
Amarei agora, apenas minha poesia
Onde toda vida é dia
Mas todo dia é noite

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Defekafkando


Parte I - O fascínio 

Fui presenteado por Deus!
Ontem com seis patas,
hoje duas são o suficiente.
Ontem fugia de chineladas,
hoje calço sapato de gente.

Os gatos, malditos,
agora me olham com respeito.
Os homens, falidos,
não querem mais cavar meu leito.

E é tudo tão bonito!
O homem transita num movimento pendular.
E nada mais tem risco.
Trocam papel por açúcar, não é preciso mais roubar.

E quão belos são os monumentos?
E quão rápidos são os veículos mais lentos?
E a cidade gira, pisca, grita!
Sem dúvidas é o lado mais melódico da fita.

As chuvas não me incomodam mais.
Os pássaros, agora, são sinônimos de paz.
Até mesmo o tão temido leão
Treme ao me ver em sua direção.

De repente sou poderoso, quem diria?
De repente sou tão forte quanto a luz do dia!


Parte II - O desespero

Fui amaldiçoado por Deus!
Minhas patas não me suportam mais!
Meu sofrimento não consegue ficar calado!
O homem é um velho com idade de rapaz!
Por favor! Troquem a fita de lado

Os gatos, malditos,
são mais respeitados do que os homens falidos!
A lei do mais forte aqui é ainda mais agressiva
Do que na selva fechada e sem saída.

E é tudo tão bonito!
Mas o homem não tem tempo para enxergar.
E o tempo aqui é tão corrido
que nem parece que eu pertencia a esse lugar.

E quão poluidores são os monumentos?
E quantas mortes ocorrem por atropelamentos?
Meu sangue vermelho, não mais transparente
Me trouxe a dolorosa constatação de que ainda sou gente.

A chuvas enchem a cidade,
E as buzinas desgastadas voltam
E meus sistemas desgastados revoltam.
Só açúcar não supre mais minhas necessidades

A luz sumiu no túnel! O túnel virou túmulo, tumba, tum tum! Piiiiiiiiiiifou.


Parte III - O alívio

AAH!

Querida, tive o sonho mais desumano do mundo
Me olhei no espelho e me vi humano
Me vi fazendo o que não gosto pra comprar o que eu não gosto
Me vi procurando a roupa mais cara.

Querida, você não tem ideia de como é bom ser barata.