quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

" Quando eu morrer, morre comigo um modo de ver o mundo"

Carlos Drummond de Andrade

Wonderland

Em um mundo tão estranho
Onde coelhos tinham relógios
Onde o gato e o rato tomavam chá
Onde um chapeleiro dançava sem parar

Um mundo tão belo
Com um povo tão engraçado e singelo
E mesmo assim era possível ver guerra
Isso não te lembra um pouco o planeta Terra?

O gato evaporava
Como se fosse água
A lebre me atirava
Todas as angústias do mundo que me fascinava

Vi a rainha branca com calma e sensatez
Enquanto ia para a guerra com suas peças de xadrez
Vi a rainha vermelha marchando pelas matas
Seguida pelo seu fiel exército de cartas

Vi uma moça bonita que crescia e encolhia
Cortar a cabeça de um dragão
Vi o sangue jorrar como água na pia
E a moça fez tudo com uma mão

E quem eu achei que tiraria uma carta da manga
Na verdade já não estava mais no páreo
A rainha vermelha era carta fora do baralho

Sabe qual a semelhança entre o corvo e a escrivaninha?

Eu não tenho a mínima ideia!

_ Depressa, depressa! Seu sono está atrasado!

Túlio Mattos

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Era do Gelo V


Era um quarto bem pequeno
Tinha medidas de três por dois
Era uma noite sem sereno
Cuja dimensão eu conto depois

Era uma solidão muito grande
Dessas que ninguém sabe de onde vem
Era a saudade do que está distante
Dessas que não se conta de quem

Era uma cabeça cabeluda
Que por só pensar a noite, quase nunca dormiu
E a saudade era tão absurda
Que não coube em mais nada, tudo explodiu

Era um menino que usava o verbo era
Por acreditar que não estava vivo
E sim numa eterna fila de espera


Túlio Mattos

domingo, 16 de dezembro de 2012

Sem fôlego

Se me pedissem um conselho
Eu diria para tomarem cuidado com a largura do seu passo
E para não acreditarem naquilo que diz o espelho
Até Judas tinha um lado bom que foi ofuscado pelo fracasso

Antes do sapato, vem a meia
Antes de colher, semeia
Antes da roda andavam a pé
Antes de fingir, você simplesmente é

O passo pequeno não te permite chegar a tempo
O passo grande assusta e dele sobra ressentimento
Dizem que tudo tem pelo menos dois lados dessa vida
Agora me contem, pra que lado é a saída?

Cansado de andar
De amar
De fumar
De falar
De calar
De rimar
Verbos terminados com ar
Ar que me faltou para terminar

_Não vou terminar essa com uma frase solta no final

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Breve história de Juvêncio

     Não sou muito de explicar os motivos que me levam a escrever, geralmente elas são coisas do cotidiano, como chuva, Sol, vento, briga com pais, afogamento, tomar pedrada na cabeça... essas coisas pelas quais todo mundo escreve. Mas o poema "pena de passarinho" foi especial, eu vi a morte passando na minha frente e indo embora.
     Era um dia normal, fazia Sol, a televisão tava chata e o facebook facebookando. De repente minha irmã me chama ao terraço pra salvar um passarinho morto, sim, foram essas as palavras. Então eu fui e quando cheguei lá me deparei com o bichinho crucificado numa teia de aranha, de vez em quando se debatia sem esperança.  Com uma vassoura arrebentei a teia da aranha (ela deve me odiar por isso, um passarinho dava pra alimentar 3 gerações de aranhas) e o bichinho assustado desmaiou atrás da caixa d'água, onde o deixei com comida e água pra quando acordasse.
    No outro dia, fui ver onde ele estava e o bichinho continuava fraco, tentava voar, mas as asinhas estavam cobertas de teia, peguei o bichinho depois de muito custo e o limpei. Depois passei a aceitar o fato de que ele nunca mais voaria, parecia ter quebrado a asa, então dei a ele o nome de Juvêncio, um grande desconhecido aí.
    Sentei ao seu lado e comecei a contar que gostava dele, mas não queria que ficasse no terraço, antes ele tinha o mundo, de repente o mundo dele se tornar um terraço cheio de roupas é sacanagem. Juvêncio, como fazia sempre, me olhou com aquela cara de passarinho (passarinhos não são muito bons com expressões faciais). Arriscou três pulos e passou voando do lado da minha orelha, como agradecimento ou como uma tentativa estabanada de furar meu olho.
    E me pus a observar aquele pardalzinho voando desajeitado, até se perder no céu.
   
Quando eu pensei em escrever, a história parecia muito mais legal, juro

Pena de passarinho


Aprendi hoje com um passarinho
Que mesmo que eu tenha minhas próprias asas,
É impossível viver sozinho
É normal perder o rumo e travar em uma teia de palavras

_Vive bichinho, vive!

Pra quem assiste, todo tipo de morte é cruel
Por isso ver a vida renascer é tão bonito
Lembro-me de um verso que nunca fora escrito
"Passarinho não precisa morrer para chegar ao céu"

_Voa bichinho, voa

Antes crucificado, agora livre como sempre quis
Dou um pio de alegria e agradecimento
De pulinho em pulinho, volto a voar feliz
Me desculpe, dona aranha, mas vai ter que achar outro alimento

_Onde já se viu menino crescido com pena de passarinho?


Túlio Mattos
Homenagem ao Juvêncio, o pardal que não é fênix, mas renasceu das cinzas

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Procura-se



De onde eu vim e pra onde eu vou?
Será que eu sou assim ou será que nem sou?
Que medo constante do desconhecido
Medo de ser tão útil quanto um soldado ferido

No princípio era o verbo
No final sobrou um "por que?"
No buraco o inferno
E no céu, fica o que?

_De onde surgiu a massa que explodiu?
_Foi tudo criado por Deus
_E quem criou Deus?
_Ah... foram uns amigos meus

Dizem para morrer ainda é cedo
Por isso cedo meu medo
Medo de ser do castiçal o pavio
Medo de ser como esse jogo-de-palavras, forçado e vazio

E se meus sonhos são só sonhos de um personagem que é sonhado?
E se a métrica, a rima, o verso, tudo saiu errado?
Não vai ter problema já que nada disso é real
Nem as críticas da realeza irreal vão me deixar mal

Deixo aqui um boa-noite sem maldade
Pra você e pra todo aquele que acha que é de verdade

_Alguém viu por aí uma sanidade?


Túlio Mattos

domingo, 2 de dezembro de 2012

Uma dose de poesia sem gelo, por favor!


Sempre dou voltas em palavras redondas
Procuro explorar cada face que o círculo não tem
Transformo corpos sólidos em ondas
Procuro ajuda não sei com quem

Devolvam meus olhos de poeta!
Sinto falta de ver o mundo colorido
Afastem de mim a palavra concreta
Gosto daquelas que cortam o cordão do meu umbigo

Fracos são aqueles que precisam de ajuda para ver o brilho do Sol
Que não conseguem apreciar a simplicidade majestosa do arrebol
Malditas sejam as drogas que forçam a loucura
Que tiram a naturalidade da sensação mais comum e pura

E então chega o fim de tarde
O momento em que o brilho de Tupã já não arde
Em que a loucura me abandona e eu desisto
Eu já não sei mais se eu vivo ou simplesmente existo

Túlio Mattos